quinta-feira, 30 de julho de 2009

A HISTÓRIA DO AJUSTE FISCAL PERMANENTE NO ESTADO DE SÃO PAULO

(do Transparência SP)
1) Introdução.


O “tucanato” paulista vem defendendo o chamado ajuste fiscal como seu legado definitivo sobre a administração pública nos últimos doze anos.
Este ajuste fiscal significaria, sinteticamente, a redução do endividamento do setor público paulista através de uma política de aumento de receitas, privatizações e corte das despesas.
Conforme poderemos ver, sem dúvida nenhuma, apenas o ajuste fiscal e suas políticas correlatas podem ser definidos como os verdadeiros objetivos do governo Covas/Alckmin/Serra durante estes últimos quatorze anos.
Uma análise mais detalhada, porém, necessita de uma crítica ao modelo de ajuste fiscal e uma outra crítica aos reais resultados obtidos dentro do modelo proposto, desmistificando o alarde tucano.
O ponto de partida deste processo reside no “Programa de Reestruturação e Ajuste Fiscal de Longo Prazo do Estado de São Paulo”, celebrado entre a União e o Estado em 1997. Ainda na gestão FHC/Covas, esta operação pode ser entendida como símbolo do ajuste fiscal e financeiro imposto aos Estados e Municípios brasileiros nos anos 90.
Através deste programa, o Estado de São Paulo se comprometia a buscar metas intermediárias que gerassem superávits primários, alienação de ativos (privatizações), aumento real das receitas tributárias (impostos), ampliação da contribuição previdenciária dos funcionários públicos, redução das despesas com pessoal e com investimentos. Tudo isso teria como objetivo alcançar a meta final (ou principal) de manter a dívida pública em patamares decrescentes em relação à receita líquida real, garantindo os pagamentos futuros dos serviços e do principal desta dívida.
Cumprindo este receituário, o Governo do Estado teria direito, junto ao Governo Federal, ao refinanciamento da dívida pelo prazo de 30 anos, taxas de juros de 6% ao ano, correção pelo IGP-DI e amortização mensal pela tabela price.
As parcelas mensais das despesas com o serviço da dívida (amortização e juros) não poderiam comprometer mais do que 13% da Receita Líquida Real (RLR) mensal. Os valores que ultrapassassem este limite teriam seu pagamento postergado, constituindo um ‘resíduo’, incidindo sobre ele as mesmas condições do contrato.
A crítica ao modelo reside na opção pelo ajuste fiscal permanente - presente no termo ‘longo prazo’ do memorando assinado entre Governo Federal e Estadual -, uma vez que este ajuste tem como objetivo central a diminuição do papel do Estado, mais do que nunca expresso nas metas de privatizações e de ‘tetos’ para o gasto com pessoal e com os investimentos públicos.
Muitos dos problemas encontrados na falta de investimentos públicos na educação, na saúde, na segurança, na agricultura, no saneamento, na habitação e no desenvolvimento econômico, para citarmos apenas alguns, – não compensados pelo aumento da participação do setor privado e ONG´s – podem ser explicados pelo receituário deste modelo aplicado durante mais de uma década no Estado, modelo que já entrou em crise em todo o mundo.
A saída política encontrada pelo trio Covas/Alckmin/Serra para esta situação foi ‘federalizar’ e ‘municipalizar’ os problemas oriundos da falta de investimentos públicos, cabendo ao Estado promover apenas bons negócios e gerir o seu ajuste fiscal.
Descontando a crise do modelo, o fato novo é que o ajuste fiscal per si promovido pelo ‘tucanato paulista também se revela uma farsa.
Entre os poucos pontos fortes deste ajuste – sempre dentro da lógica do modelo - encontramos, como veremos em detalhe mais adiante, algumas metas intermediárias, como a redução do gasto com pessoal, a manutenção dos investimentos em patamares baixos e as privatizações. Analisando o mérito destes ajustes, podemos dizer que o Governo Estadual “fez a lição de casa” nos aspectos que mais prejuízos têm causado à população paulista.
Entre os pontos fracos, as dificuldades na obtenção das metas de crescimento da receita real, a omissão de dados quanto às metas de contribuição do servidor público à previdência e, fundamentalmente, a própria trajetória da relação dívida/receita liquida real (D/RLR), objetivo último de todo este programa de ajuste.
Conforme poderemos observar mais adiante de forma detalhada, os tucanos são bons de propaganda. Os resultados reais, mesmo dentro deste modelo controverso, podem ser questionados.




2) As Metas do Ajuste Fiscal.


a) Meta 1 (principal): redução da dívida em relação à receita.


A principal meta preconizada pelo “Ajuste Fiscal Permanente de Longo Prazo”, acordado entre União e Estado em 1997, era a redução da trajetória da Dívida Financeira Total do Estado (D) em relação à Receita Líquida Real (RLR). Segundo o próprio documento oficial, esta relação não poderia ultrapassar, “em nenhum dos anos do período”, a trajetória decrescente constante da tabela 1. Em 2008, a dívida deveria ser igual à receita líquida real.
O que observamos é que estas metas foram revistas e fortemente flexibilizadas ano a ano, conforme mudanças nos parâmetros macroeconômicos, produzindo “espaço” suficiente para que os resultados sempre se encaixassem “perfeitamente” nas novas metas ajustadas.
Como exemplo, para o ano de 2008, a meta chegou a ser revista em 175%, entre aquela definida em 1997 e a última revisão, em 2004.
Mais ainda, no último processo de negociação que se conhece, já durante o Governo Lula (em 2004), o prazo para que fosse atingida a igualdade entre a dívida e a receita foi postergado para 2030.
O resultado concreto deste processo é que a relação D/RLR passou de 2,24 em 1997 para 2,92 em 2004, um crescimento de 30,3%, segundo as poucas informações oficiais do Estado. Segundo os cálculos desta assessoria, esta relação passou de 2 em 1998 para 2,75 em 2005, um crescimento de 37,47%.
O que se deduz deste processo é que, em primeiro lugar, as metas iniciais foram construídas utilizando-se parâmetros de trajetória de crescimento, inflação e comportamento do câmbio muito distante daqueles realmente observados nos anos seguintes.
Em segundo lugar, a convergência precisa entre a meta ajustada e o valor atingido produz desconfianças quanto a real tecnicidade deste cálculo.
Cumpre também destacar que a redução do estoque da dívida junto à União representava uma das estratégias centrais do ajuste fiscal.
Conforme dados oficiais, o estoque da dívida junto à União passou de R$ 46 bilhões em 1997 para R$ 113 bilhões em 2005 (um aumento de 146,3%), enquanto o resíduo saltou de R$ 2,6 bilhões em 1998 para R$ 34,3 bilhões em 2005 (um crescimento de 1.215,4%).
Mais ainda, o teto de 13% da RLR para pagamento dos serviços da dívida federal foi superado apenas durante os dois primeiros anos do acordo (em 1998 e 1999), sendo que, nos anos seguintes, este teto não foi sequer atingido.
Considerando que o resíduo da dívida vem crescendo significativamente nos últimos anos, constatamos que o Estado acabou ficando com recursos em caixa que deveriam, dentro da lógica de ajuste defendida pelo ‘tucanato’, ser direcionados para o pagamento dos serviços da dívida.
Enquanto durante o governo FHC, o Governo Estadual pagou, em serviços da dívida, cerca de R$ 493,4 milhões ‘abaixo do necessário’, durante o governo Lula, o Estado pagou R$ 2,6 bilhões ‘abaixo do necessário’.
Em síntese, ao rever e facilitar as metas de ajuste da dívida, ampliar o tempo para convergência desta relação e deixar de cobrar o pagamento de serviços da dívida, com a finalidade de reduzir o resíduo, podemos observar que o tão propalado ajuste fiscal do Estado foi obtido muito mais por conta das flexibilizações permitidas pelo Governo FHC/Lula do que pela suposta austeridade do Governo Covas/Alckmin/Serra.
Ao observarmos o crescimento do estoque da dívida, do resíduo e da relação D/RLR, podemos questionar a eficácia do ajuste fiscal divulgado pelos tucanos.




b) Meta 2: superávit primário.


As metas de superávit primário tornaram-se, diferentemente do documento de Acordo assinado em 1997, o objetivo central da administração tucana no Estado nos anos seguintes. Muito provavelmente em razão da dificuldade em se obter os resultados pretendidos originalmente na relação dívida/receita, conforme vimos na primeira parte.
Não por outro motivo, na Revisão do Programa de Reestruturação da Dívida para o período 2004/2006, o Governo Estadual inicia sua exposição destacando os sucessivos e crescentes superávits primários obtidos desde 1995.
Diante da crise econômica de 1997, 1998 e 1999, atingindo fortemente a arrecadação do setor público, as metas de superávit também foram revistas para baixo, numa redução de mais de 60% para 1998 e 1999 em relação àquelas definidas um ano antes.
De qualquer modo, de 1997 a 2004, o superávit primário superou as metas fixadas em cerca de R$ 2,7 bilhões (em termos nominais), revelando que produzir “economia no setor público” transformou-se de objetivo intermediário em central durante o ‘tucanato’.
No período 2001/2003, o superávit primário, ainda segundo análise oficial, deveu-se a algumas modernizações no sistema tributário e na queda do gasto com pessoal e investimentos.
Esta economia, porém, não serviu para a redução nos níveis de endividamento de forma contundente, conforme vimos anteriormente.




c) Meta 3: receita de alienação de ativos (privatizações)


As privatizações foram eixo central do ‘tucanato paulista’ desde o primeiro momento. Reduzir o tamanho e o papel do Estado fazendo ‘bons negócios’ tornou-se a arte central administrativa dos tucanos.
Deste modo, as metas de alienação (venda) de ativos foram cumpridas com rigor nos anos de 1997, 1998 e 1999, no chamado primeiro ciclo de privatizações do Estado de São Paulo (CPFL, Banespa, Ceagesp, Fepasa, Comgás, Eletropaulo, etc.). Neste período, as privatizações realizadas excederam as metas em R$ 4,6 bilhões.
Nos anos seguintes, as metas anuais previstas caíram, bem como o valor efetivamente realizado. Este processo, por sua vez, vem sendo retomado desde 2005, com o início do segundo ciclo de privatizações (Nossa Caixa e CTEEP).
O balanço do período 1997 a 2004, no entanto, aponta para uma privatização que superou em R$ 3 bilhões (em termos nominais) as metas fixadas.
Considerando também a concessão de serviços, as transferências à União e o valor estimado das privatizações em curso em 2006, o processo de privatizações chegará, em termos reais, a mais de R$ 77,5 bilhões.




d) Meta 4: receita tributária própria.


A meta quatro previa um crescimento real da Receita Tributária do Estado na ordem de 3% ao ano, durante o período 1997/1999.
Diante da crise econômica brasileira, estas metas foram reduzidas em até 136% (em 1998), mas mesmo assim não foram atingidas.
A diferença entre as metas realizadas nestes três primeiros anos foi de, em média, 219,4 % inferior às metas previstas inicialmente.
Mesmo calculando esta diferença com base nas novas metas ajustadas, bem como a correção apresentada pelo Estado em 1999, ainda assim o resultado foi em média 142 % abaixo do esperado.
Para os anos seguintes, houve nova mudança na metodologia do cálculo das metas de crescimento real da arrecadação, que passaram de um percentual para um valor nominal a ser atingido. Ainda assim, em 2001, a arrecadação ficou abaixo da meta prevista.
A partir de 2002, o governo estadual vem cumprindo as novas metas fixadas, não sem um profundo ajuste na sua trajetória e mudanças que dificultam a comparação da série como um todo.
De qualquer modo, os problemas enfrentados nos primeiros anos revelam que as metas de arrecadação não conseguiram apresentar a evolução inicialmente esperada.
Os impactos negativos da política de câmbio e juros sobre a economia brasileira e paulista, em especial, foram mencionados no documento de justificativa elaborado pelo governo do Estado em 1999, mas todas as causas foram direcionadas para a crise financeira internacional (México, Rússia e Ásia), numa prática tucana já comum de terceirização das responsabilidades.


e) Meta 5: gasto com pessoal.


No que se refere às metas previstas para o gasto com pessoal dos três poderes, observamos que, aparentemente, o governo estadual não estaria cumprindo adequadamente o previsto.
Devemos destacar, porém, que a revisão das metas foi muito menor neste aspecto do que nos anteriores. Apesar de toda a crise nas finanças públicas observada, as metas para 1997 e 1999 permaneceram as mesmas, sendo que para os anos seguintes continuou-se a perseguir uma queda significativa no gasto com pessoal.
Em 2001, 2002 e 2003, apesar do baixo crescimento da economia e das receitas públicas, os resultados ficaram muito próximos das metas fixadas. Mais ainda, apresentavam uma taxa de redução do gasto com pessoal consistente ao longo do tempo, com uma única exceção para 2003, muito provavelmente em razão do comportamento ruim da economia como um todo, com impacto negativo sobre as receitas públicas.
Em 2004, com a recuperação significativa da economia e da receita pública, bem como diante da perseguição da meta de diminuição do gasto com pessoal, o governo gastou 4,3 % a menos do que o previsto.
Quando analisamos o comportamento do gasto com pessoal apenas do poder executivo, notamos de forma ainda mais clara sua queda, passando de 49,27% em 2000 para 42,36% em 2005.
Ainda segundo relatório oficial de Revisão das Metas em 2004, o Governo Tucano declarava que o Estado possuía 101 mil servidores a menos em 2003 em relação a 1995 (172 mil servidores ativos a menos).
Manter metas mais apertadas, portanto, vem servindo de álibi para o governo estadual reduzir suas despesas com pessoal, deixando de contratar novos funcionários por concurso e arrochando salários, negando-se a desenvolver qualquer política para os servidores públicos. As conseqüências podem ser vistas na queda de qualidade de diversos serviços públicos.




e) Meta 6: gasto com investimentos.


As metas ou tetos para o gasto com investimentos representam uma das faces mais prejudiciais do Ajuste Fiscal para o Estado de São Paulo.
Desde o Acordo da Dívida firmado em 1997 com a União, o Governo do Estado estaria obrigado a manter os investimentos abaixo dos 5% da Receita Líquida Real. Pretendia-se com isso obter recursos para o pagamento dos serviços da dívida, dentro da lógica do ajuste fiscal permanente.
De uma forma perversa, o Estado cumpriu suas metas, investindo apenas 1,97% em média durante os três primeiros anos do ajuste.
A partir de 2002, com a inclusão na metodologia de cálculo dos investimentos das despesas que resultavam em valorização de um bem público (reconstrução ou re-investimento), programas de fomento econômico (permitindo a geração de renda) e gastos oriundos de operações de crédito - se juntando aos gastos com o planejamento e a execução de obras, a aquisição de instalações, equipamentos e materiais permanentes com recursos do tesouro - os percentuais de investimento subiram, bem como as novas metas previstas.
O Estado, porém, manteve-se sempre abaixo do perverso teto.
Em relação ao total das despesas, porém, a participação dos investimentos públicos vem declinando desde 1997, mesmo se considerarmos os recursos próprios das empresas estatais gastos neste item.


3) Conclusões.


O propalado ajuste fiscal do setor público defendido pelo ‘tucanato’ paulista nesta última década, na verdade, contém alguma verdade e uma boa dose de propaganda.
Como pudemos ver, a situação do endividamento do Estado junto ao governo federal, meta central do processo de ajuste, não apresentou melhora significativa, apesar da revisão das metas e a ampliação do prazo de enquadramento permitido pela União.
A redução dos investimentos, do gasto com pessoal e a ampliação da receita nos últimos anos, porém, vem permitindo que se mantenha o discurso do ajuste fiscal permanente através dos superávits primários obtidos.
O resultado tem sido um esforço fiscal sem a redução dos níveis de endividamento, agravando os problemas sociais em diversos setores da sociedade paulista com o objetivo único de se manter a farsa do equilíbrio fiscal.

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